A dissertação de mestrado de autoria do advogado Thyago Cezar, paciente reabilitado e atualmente doutorando do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da Universidade de São Paulo (USP) em Bauru, fundamenta justificativas de Projetos de Lei (PL) nos Estados de São Paulo (SP) e de Santa Catarina (SC), que visam assegurar direitos e promover a conscientização sobre a fissura labiopalatina.
Intitulada “Comunicação em saúde como instrumento de promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa com fissura labiopalatina”, a dissertação foi defendida em março de 2020, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do HRAC-USP, sob a orientação da professora Jeniffer de Cassia Rillo Dutka, docente da Pós-Graduação do Hospital e do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP).
Em Santa Catarina, a Lei Nº 18.508/2022 (de 05/09/2022), que equipara a fissura labiopalatina e as anomalias craniofaciais congênitas não reabilitadas à condição de deficiência para efeitos jurídicos, já está em vigor, e a justificativa do Projeto que originou a Lei menciona trechos da dissertação de Thyago Cezar. Santa Catarina também já contava com a Lei Nº 17.250/2017 (de 13/09/2017), que instituiu o Dia Estadual de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina.
Duas proposições recentes tramitam paralelamente na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Os Projetos de Lei Nº 544/2022 e Nº 545/2022, de 25/08/2022, visam, respectivamente, instituir o Dia Estadual de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina, e equiparar, para fins jurídicos, a fissura labiopalatina e as anomalias craniofaciais congênitas não reabilitadas à condição de deficiência. Os dois Projetos deram entrada, no último dia 02/09/2022, na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alesp, e as justificativas de ambos também citam trechos da dissertação defendida no HRAC-USP.
O Dia de Conscientização sobre a Fissura Labiopalatina já foi instituído em nível municipal – como na cidade de Bauru (Lei Municipal Nº 6.849, de 29/09/2016) – e, desde julho deste ano, em âmbito nacional (Lei Nº 14.404, de 11/07/2022). Bauru também tem em vigor legislação que equipara a fissura labiopalatina e as malformações craniofaciais à condição de deficiência (Lei Municipal Nº 7.333, de 03/03/2020).
Da Universidade para a sociedade
Para Thyago Cezar, “falar sobre fissura labiopalatina aos deputados federais e estaduais, prefeitos, governadores, quando se é paciente reabilitado, dá uma maior legitimidade para expressar os sofrimentos vividos por centenas de milhares de pessoas, uma vez que posso relatar perfeitamente o quão custoso é financeira e socialmente todo o processo de reabilitação”.
“Ver minha dissertação de mestrado sendo usada como instrumento efetivo de mudança social é a maior condecoração que eu poderia receber. Foi com este propósito de transformação social que me submeti por dois anos de intensos estudos. Além de tudo, demonstra a importância das boas pesquisas, dos bons professores e professoras – cito em especial minha orientadora, Jeniffer Dutka –, bem como o destaque da Universidade pública brasileira, particularmente a Universidade de São Paulo”, avalia.
Thyago assinala ainda que “apesar da aparente simplicidade dos conteúdos apresentados, eles são frutos de muitas pesquisas interdisciplinares e multiprofissionais, condensados para serem utilizados como ferramenta para a proteção, promoção e recuperação da saúde da pessoa com fissura labiopalatina. Por ser uma ferramenta, os pacientes, pais e profissionais poderão se valer das normas legais para exigir dos Estados o efetivo cumprimento do direito ao tratamento de reabilitação”.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do HRAC-USP e docente do Departamento de Ciências Biológicas da FOB-USP, professora Ivy Kiemle Trindade Suedam, frisa que “as pesquisas que vêm sendo realizadas no nosso Programa de Pós-Graduação, além do impacto científico, têm um impacto social e clínico muito forte para a comunidade. Desde a colaboração na formulação de políticas públicas – como é o caso desta dissertação –, até a identificação de gene responsável por síndrome rara descrita pela equipe do Hospital, o desenvolvimento de novos aparelhos e próteses reabilitadoras e a proposição de inovações nos protocolos de tratamento”.
“As produções científicas derivadas das pesquisas, entre elas dissertações e teses, extrapolam, portanto, os muros da Universidade. Esta dissertação em especial é um exemplo muito exitoso da interdisciplinaridade do nosso Programa de Pós-Graduação. É um trabalho que não envolve diretamente investigação científica na área da saúde, mas que tem uma contribuição muito significativa para a população com fissura labiopalatina”, ressalta Ivy.
Já o professor Carlos Ferreira dos Santos, superintendente do HRAC-USP, enfatiza que “este feito traduz bem a importância dos três pilares fundamentais do Ensino Superior, o ensino, a pesquisa e a extensão. Ao fundamentar Projetos de Lei – sendo que um deles já foi transformado em Lei e está em vigor –, a dissertação transforma o conhecimento produzido na USP por meio do ensino e da pesquisa em extensão de serviços à sociedade, resultando em benefícios para a população e fortalecendo a interação da Universidade pública com a coletividade”.
“Quanto ao mérito das proposituras, uma data de conscientização é fundamental para as pessoas que nasceram com fissura labiopalatina, pois dá maior visibilidade à condição e ajuda a combater o preconceito e a desinformação. Além disso, o reconhecimento dos pacientes com fissura labiopalatina e anomalias craniofaciais não reabilitados como pessoas com deficiência assegura direitos de cidadania dessa população, acesso ao tratamento, acesso a transporte e acesso a outros benefícios das políticas públicas intersetoriais – nas áreas da saúde, educação, assistência social, previdência social, habitação, entre outras –, promovendo a inclusão social desse público”, destaca o dirigente.
Defesa enfática
Historicamente, o HRAC-USP também tem atuado institucionalmente, por intermédio da Superintendência e das áreas técnicas, em defesa enfática do reconhecimento dos indivíduos com fissura labiopalatina ou anomalias craniofaciais não reabilitados como pessoas com deficiência.
Nos últimos anos, por exemplo, o superintendente Carlos Ferreira dos Santos participou de audiência pública promovida pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados em 07/12/2021, no âmbito de Projeto de Lei que visa esse reconhecimento (Projeto de Lei Nº 11.217/2018). Na audiência – que também contou com a participação de Thyago Cezar – o dirigente manifestou total apoio do HRAC-USP ao Projeto de Lei, com base tanto nas evidências científicas como na prática clínica e expertise da equipe do Hospital. O PL já passou pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD), atualmente aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), e ainda deverá ser analisado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
E, neste mês de setembro de 2022, em resposta à consulta do Departamento Regional de Saúde de Bauru (DRS 6) acerca do PL Nº 545/2022 que tramita na Alesp – já citado –, Carlos Ferreira dos Santos também defendeu, por meio de Ofício da Superintendência, que “a presente proposição é oportuna e atende ao disposto no que determina os preceitos de proteção da saúde, e revela-se conveniente ao interesse público, razão pela qual recomendamos sua aprovação”.
Malformação tem tratamento
A fissura labiopalatina acontece quando há problemas na formação da face do futuro bebê nas primeiras semanas da gestação, podendo envolver, de maneira isolada ou associada, o lábio, a gengiva e o céu da boca (palato).
A incidência é de uma criança a cada 650 nascidas vivas. A malformação pode ter causa genética e estar associada ou não a outras alterações. Pode estar relacionada, ainda, a fatores ambientais como obesidade ou outras doenças maternas, deficiência de vitaminas na mãe, além de uso de determinados medicamentos, cigarro e álcool no início da gestação.
Essa condição congênita traz impactos tanto estéticos como funcionais, como dificuldades na alimentação, alterações nos dentes e na mordida, implicações no crescimento da face e no desenvolvimento da fala e audição, além de problemas emocionais e sociais.
“O tratamento multidisciplinar, quando iniciado precocemente, permite que a criança tenha um melhor desenvolvimento e qualidade de vida. Além da reparação cirúrgica, o processo de reabilitação exige, muitas vezes até a fase adulta, a intervenção e acompanhamento com diversos profissionais, como médicos, cirurgiões-dentistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, biólogos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, além de técnicos e demais áreas de apoio”, salienta o professor Carlos Ferreira dos Santos, superintendente do HRAC-USP.
Reprodução da matéria do site: HRAC